Advogadas Dora Cavalcanti e Flávia Rahal descrevem a experiência da atuação pro bono e expõem os desafios para a evolução da associação sem fins lucrativos

Inspirado numa iniciativa norte-americana à qual está ligado, o Innocence Project Brasil nasceu em dezembro de 2016 pelas mãos dos advogados Dora Cavalcanti, Flávia Rahal e Rafael Tucherman com o objetivo de lançar luz à melhoria de processos da Justiça Criminal de modo a evitar a condenação de inocentes.

Vencedora do Prêmio Lumen em 2018 na categoria Pro Bono, a associação sem fins lucrativos tem como público-alvo pessoas que foram condenadas por erro judiciário.

Para o acolhimento de pedidos de reversão de condenação no âmbito do Innocence Project Brasil, são considerados os casos encerrados, com trânsito em julgado, nos quais o inocente preso ainda tenha considerável pena a cumprir.

A causa é nobre e para ampliar sua atuação, o desafio maior da instituição, atualmente, é a busca de financiamento para sua estrutura, uma vez que a entidade conta com apenas uma coordenadora contratada e depende, essencialmente, do trabalho de seus fundadores e outros voluntários.

Os escritórios Cavalcanti, Sion e Salles AdvogadoseRahal, Carnelós e Vargas do Amaral Advogados são os patronos principais da iniciativa, que também conta com o apoio do Campos Mello Advogados e parcerias com a escola de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) e o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

Amizade de longa data e mesmos ideais em prol de uma boa causa

"Flávia e eu nos conhecemos desde a época de estágio. Compartilhamos ideais e temos grande afinidade. Há cerca de 10 anos, conheci o projeto numa viagem à Nova York e, desde então, vínhamos nos aproximando da iniciativa até obtermos a autorização para uso do nome e início da atuação no Brasil, seguindo as mesmas diretrizes do Innocence Project nos Estados Unidos”, explica Dora, sócia do Cavalcanti, Sion e Salles Advogados.

Ela descreve que o encantamento se dá justamente pelo olhar do processo criminal sob a ótica do inocente. "Quando vemos relatos em primeira pessoa de inocentes condenados por erro judiciário aprendemos o quanto é relevante humanizar as etapas e garantias processuais de um julgamento na esfera criminal para evitar o erro nos julgamentos”.

Flávia, sócia de Rahal, Carnelós e Vargas do Amaral Advogados, descreve que a sensibilidade das pessoas e profissionais ao Innocence Project Brasil chama a atenção. "A rede de voluntários nas mais diversas áreas chega a mais de 700 pessoas, o que indica a preocupação crescente das pessoas com a questão do erro judiciário diante da situação precária do sistema prisional no Brasil, país que possui uma das maiores populações encarceradas no mundo”.

Além da atuação em casos concretos, o projeto também capitaneia atividades educacionais e tem, entre suas metas, a elaboração de estatísticas sobre causas e erros judiciários que resultam na prisão de inocentes. "O conhecimento das causas e gargalos do processo criminal é fundamental para a proposição de melhorias ao sistema”, pontua.

Formação de profissionais sensíveis à causa

Em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas), o projeto conduz um curso gratuito para alunos da graduação com duração de seis meses. Nas aulas, a Justiça Criminal é tratada por doutores na área do Direito, peritos, psicólogos e jornalistas que abordam conteúdo conceitual e discutem com alunos da graduação as etapas processuais e como melhorá-las.

"Cada turma reúne 18 alunos. Já estamos na terceira turma, que é aberta a discentes da graduação de qualquer faculdade. Trata-se de uma oportunidade importante, inclusive, para sensibilizar para a atuação pro bono”, explica Flávia.

Segundo ela, conscientizar os futuros advogados para entender o caminho do erro em julgamentos pode atentar os profissionais para que ajam preventivamente. Além disso, o curso traz mais profissionais para a defesa da causa do projeto.

Casos concretos

No primeiro caso concluído de atuação jurídica do projeto, o desfecho foi positivo. A pessoa atendida foi, por unanimidade, absolvida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em março de 2018, graças ao trabalho intenso da equipe de advogados do Innocence Project Brasil.

Além da vitória para a iniciativa e o inocente que agora pode retomar sua vida após quase um ano de reclusão, a experiência possibilita uma relevante fonte de aprendizado para a identificação das falhas que levam a condenações indevidas, conforme complementa Dora. 

"No final de 2018, ingressamos com uma outra revisão criminal em favor de uma pessoa condenada injustamente em razão de um reconhecimento equivocado. Esse é o primeiro caso em que o projeto aborda a problemática do reconhecimento como um ponto fundamental a ser trabalhado. Nas estatísticas norte-americanas, o erro no reconhecimento aparece como uma das causas contributivas para a ocorrência de erro judiciário em mais de 80% dos casos de roubo posteriormente revertidos”.

De acordo com ela, o reconhecimento equivocado do então acusado foi definitivo para a falha no julgamento do processo. "A pessoa sequer estava no local do crime quando ele aconteceu e acabou presa por isso. Segue preso há mais de dois anos, mesmo sendo inocente.”

"O que a gente percebe é que, no Brasil, não há estudos nem dados que permitam a proposição de mudanças para aprimorar o sistema, portanto, nossa pretensão maior é justamente essa: a partir de indicadores concretos e informações baseadas no estudo da realidade nacional, elaborar um rol de medidas preventivas e das principais causas que podem levar à condenação de inocentes na esfera criminal”.

Flavia acrescenta que o Innocence Project Brasil compreende toda uma jornada de conhecimento em que cada etapa de sua evolução é relevante para a proposição de ideias. "Estamos trabalhando no tratamento de novos três casos e, ao mesmo tempo, administrando nosso tempo para dar publicidade ao projeto, por meio de palestras e outras formas de divulgação. Isso acontece aos poucos, mas vamos construir a rede de conhecimento necessária para melhorar a Justiça Criminal no Brasil”, pontua.

Sobre a premiação

O Prêmio Lumen é uma iniciativa do Sinsa e Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados) que tem o objetivo de motivar e disseminar o bem social a partir do reconhecimento de iniciativas de comprovada eficácia, realizadas por sociedades de advogados e que possam ser replicadas por outras organizações.

As inscrições para a premiação são abertas anualmente - no início do segundo semestre. Se sua sociedade estiver envolvida com algum projeto que se enquadre as categorias: "Boas práticas de gestão”; "Iniciativas de responsabilidade social” e "Pro Bono”, saiba mais no site www.premiolumen.com.br e acompanhe o site do Sinsa para manter-se informado sobre a edição de Prêmio Lumen 2019.

Produção e edição: Moraes Mahlmeister Comunicação

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